Era um livro curtinho, pequeno de tamanho com umas 100 páginas e letras grandes, a história era um típico coming-of-age de um jovem judeu e seu amigo negro que sofrem preconceito por serem os primeiros alunos não-brancos de uma escola de elite paulista e o livro faz meio que um paralelo entre a história do principal (o jovem judeu) e os pais dele, que são imigrantes vindos do Leste Europeu.
E uma frase que me marcou quando li o livro era: "Meus filhos não vão passar pelo o que passei." que é um pensamento bem presente em qualquer obra que seja que aborde a imigração pras Américas, tanto que vi algo parecido num mangá que estou lendo agora, Kabatami to Ougon:
Ganhar dinheiro na base do ódio, gosto. |
O que realmente me fez pensar é que, se você vive no Brasil (ou nos States que seja), e não é filho de uma família riquíssima, provavelmente um antepassado seu de umas duas, três ou quatro gerações atrás deve ter falado também algo nas linhas de "Meus filhos nunca vão passar pelo o que passei!", porque ou você é descendente de imigrantes, escravos ou nativos, que é gente que não teve vida fácil por aqui.
E é uma coisa que penso às vezes, no caso da imigração, a decisão de ter que sair do seu país pra enfrentar meses num navio e chegar num lugar que você nunca foi, que fala uma língua diferente da sua e com costumes totalmente estranhos, deve ser uma puta decisão. Quero dizer, agora é fácil você com diploma da USP falar que quer ir pro Canadá, Japão, Coréia ou States pra uma vaga que paga bem na área de TI, mas você ter que abandonar seu país, sem qualquer perspectiva de poder voltar, por causa de fome, guerra, perseguição ou qualquer coisa do tipo, é algo que talvez (e ainda bem) nossa geração nunca vai saber como é.
Outra coisa que acho interessante é que nessa época, e até um tempo atrás, era dado que você teria filhos, e tinha essa coisa de "As coisas que não realizei em vida serão feitas pelos meus descendentes". Hoje é bem difícil ter gente, ainda mais com minha idade, falando em querer ter filho com certeza, é difícil até ter gente pensando em casamento.
Eu penso que às vezes não valorizamos o suficiente os sacrifícios que nossos antepassados fizeram, a questão da imigração (ou de coisa até pior dependendo da sua ascendência) é um fragmento bem recente da história da nossa linhagem e a cada geração, falando em linhas bem gerais, o ser humano fica mais acomodado.
Imagino meu avô vendo esse cartaz e dizendo "Hmm... Por que não?". |
Meus avós paternos vieram com 20 anos pra cá, pelo o que andei pesquisando nos arquivos do Museu da Imigração, o navio deles saiu do Porto de Kobe e foi pro Oeste, passando por Singapura, sudeste asiático, costa da África e chegaram então em Santos. A história da imigração japonesa na Brasil é a coisa mais manjada, eles tiveram que entrar num sistema de colono em fazendas de café e depois conseguiram um pequeno sítio no interior de São Paulo, a história não muda muito pra maioria dos japoneses que vieram assim.
Eu não estou falando que a gente precisa passar por uma guerra, uma grande fome ou uma diáspora pra nos provarmos como bons descendentes dos nossos antepassados, a pós-modernidade e a solidão da contemporaneidade já são uma merda, mas muito disso é justamente porque a gente é uma geração sem rumo, acho que não estou muito afim de desenvolver essa ideia aqui e isso vai com certeza ser tema pra um próximo post, mas essa pandemia me fez pensar bastante sobre a diferença com que a gente lida com problemas hoje se comparado a antigamente.
Mas é, nunca passaremos pelo o que nossos antepassados passaram, a gente eventualmente vai enfrentar problemas que eles não tiveram e temos luxos que eles nem imaginariam ter, mas ainda acho fascinante esse lance de ir pro desconhecido, sair do seu país pra um lugar que você nunca foi e sem qualquer garantia de que vai dar certo, se eu faria o mesmo? Provavelmente não, mas circunstâncias são circunstâncias, não dá pra julgar uma decisão sem levar em conta tudo o que levou até ela.
Só consigo imaginar o que meus avós sentiram quando avistaram do convés a costa do Brasil, depositando nessa visão todos os sonhos e esperanças que tinham, eu senti um décimo desse sentimento ao contrário quando vi as primeiras luzes do Japão quando meu A380 tava descendo em Narita, mas já sabendo que eu voltaria dali três meses para casa.
Enfim, recomendo que leiam o mangá que falei sobre, Kabatami to Ougon, parece bem bom e tá no comecinho ainda, além disso, por causa deste post, acabei lendo bastante coisa sobre imigração japonesa que não sabia e é legal você saber um pouco mais sobre seus antepassados, só de pensar que você é a culminação de uma linhagem de MILHÕES de anos de seres vivos que foram evoluindo de pouco a pouco, o mínimo que você precisa saber é pelo menos como vivia o pessoal umas duas gerações atrás.
E é isso, valeu falou
té mais!
EDIT: Por PURA COINCIDÊNCIA eu escrevi este post no aniversário de 112 anos da imigração japonesa, juro que foi sem querer.
Você já se perguntou algo do tipo "como seria a minha vida se os meus ascendentes nunca tivessem saído do Japão?"?
ResponderExcluirO ponto de divergência aí é tão distante que eu só consigo pensar o que eu seria se tivesse feito exatamente as mesmas escolhas que eu no Brasil, mas devidamente transportado pro Japão. Eu imaginei um Yoiti que fazia engenharia naval na Universidade de Yokohama e que iria em shows underground em Tokyo e tudo mais, imagino que seria mais feliz que sou hoje, mas até aí pode ser que o Yoiti dessa realidade paralela pagasse um pau absurdo pra música brasileira e futebol (o que não é raro lá) e vivesse sonhando em ir pro Brasil.
ExcluirEu acho que é fácil comparar o estado das coisas agora, mas a situação econômica do Japão só ficou realmente decente depois do boom nos anos 70, até lá o Brasil tava melhor. Dá pra falar com uma relativa segurança que nossos avós e pais tiveram uma vida melhor aqui (pelo menos até os anos 90) do que teriam no Japão, agora o pessoal da nossa geração se fodeu pesado.
Mas o Japão tbm não é de todo melhor que o Brasil, a sociedade lá é bem machista e xenófoba, cultura de trabalho extremamente rígida e é um negócio meio deprimente você ver os trens cheios no fim do expediente com o pessoal com cara de peixe morto. Se eu fosse extrovertido eu preferiria ficar aqui, mas como não gosto muito de gente, eu acho o Japão bem atrativo.
Sim, eles tiveram motivos fortes pra vir pra cá, com condições difíceis por lá, inclusive um bisavô materno meu veio junto com uma outra família, deixando irmãos, pais, etc no Japão. Acredito que seja pq não haviam condições de embarcar a família toda, mas não consigo dizer com ctz.É curioso pensar que posso ir pro Japão, ver algum parente, e nem imaginar que é parente.
ExcluirSempre penso nos pontos positivos e negativos de sair do Brasil, tento colocar tudo numa balança imaginária pra ver qual é a melhor opção pra mim. Creio que muitas pessoas façam isso tbm, mas acho que a escolha final seja que nem uma média ponderada na qual os pesos das variáveis mudam de pessoa pra pessoa. Até mesmo pra mim esses pesos mudam de tempos em tempos, mas enfim.