domingo, 15 de novembro de 2020

Doutrinação por meio de mangás

 Uma coisa que passei a notar ultimamente, ou pelo menos ser mais paranoico sobre, é a posição política dos autores dos mangás que leio.

O Japão é um país conservador, sobre isso não há a menor dúvida, mas é legal ver como a visão política dos autores transparecem nas obras mesmo elas não sendo necessariamente políticas. 

Os mangás dos anos 60~70 em particular são em sua maioria obras políticas progressistas, já que o Japão tava passando pelo período de turbulência do pós-guerra e tinha acabado de assinar o tratado de não-agressão com os Estados Unidos. Ashita no Joe, Gen Pés Descalços e Adolf (do Tezuka) são obras da época, bem progressistas pros padrões de então. 

Nos mangás do final dos anos 90 pra hoje, já há uma divisão mais notável entre mangás conservadores e mangás progressistas. Acho que os maiores exemplos de mangás conservadores são os nacionalistas na cara dura, tipo o "Gate: Jieitai Kanochi nite, Kaku Tatakaeri", ou os que glorificam a estrutura social japonesa (sendo machista no caminho, obviamente), tipo "Bartender", "Sanctuary", "Hokuto no Ken" (e qualquer mangá do Buronson) e "Maiko-san Chi no Makanai-san", grande maioria dos isekais são bem conservadores também. Agora, mangá progressista tem aos montes em magazines menos mainstream tipo a Afternoon ou a Comic Ryu, tipo Blue Period, Ikoku Nikki, Oyasumi Punpun (e qualquer mangá do Inio Asano), Aku no Hana (e qualquer obra do Shuzo Oshimi), etc. 

E sim, eu sou de esquerda declaradamente mas não vou ficar só lendo obra progressista. Sanctuary é um épico incrível apesar de ser um dos mangás mais machistas que li na vida, Bartender é uma glorificação fodida do estilo de vida Yuppie da classe empresarial do Japão e Hokuto no Ken é Hokuto no Ken né, mas são mangás essenciais pra você entender o próprio Japão.

Agora, os mangás progressistas dos anos 60~70 abordavam pautas bem diferentes dos mangás de hoje. Se na época a maior luta era contra a ocupação americana, a guerra e a desigualdade, agora o foco é mais em identidade de gênero, machismo e a depressão pós-moderna em geral, o que acho que é uma mudança de foco condizente com as obras progressistas do mundo todo na real.

Ah sim, claro que tem mangá que não tem uma orientação política explícita, o que é a maioria na real, mas tem sinais aqui e ali de autor conservador: mulheres desenhadas em proporções impossíveis, glorificação do nacionalismo/guerra, um reforço constante do papel da mulher na sociedade (e nada que contradiga isso na obra), etc. 

Eu posso parecer chato SJW tentando achar agulha em palheiro mas na real que leio mangá com visões conservadoras constantemente e aprecio muito deles. A não ser que o mangá seja CLARAMENTE revisionista e retrógrado AHAM Eien no Zero AHEM, não acho que ver uma obra de uma ótica que não a sua seja necessariamente ruim, meu filme favorito é Poderoso Chefão que é bem conservador afinal.

Mas é, acho que tem muito mangá que acaba levando a bandeira muito a sério e acaba se perdendo no seu próprio tema tentando ser defensor de qualquer pauta que seja, ainda mais mangá histórico sobre a segunda guerra, esse é um tema impossível de ser imparcial no Japão, ou você é ultranacionalista ou totalmente anti-guerra.

Eh, enfim, queria terminar o post falando de um mangá de cada quadrante, na minha opinião, do Political Compass:

  • Auth Right: Sanctuary. Dois amigos sobreviventes dos campos de concentração do Camboja sob o Khmer Rouge, voltam pro Japão e decidem chegar ao topo da hierarquia no submundo e na política;
  • Auth Left: Ashita No Joe. Um cara fodido de pobre começa a lutar boxe e é a coisa mais luta de classes num mangá da década de 70;
  • Lib Right: Bartender. Um bartender em Ginza, bairro mais chique de Tokyo, usa sua habilidade em fazer coquetéis para curar a alma dos clientes burgueses que passam pelo seu bar;
  • Lib Left: Blue Period. Um cara descobre seu amor por artes, sofre pra caralho pra melhorar e em alguns capítulos foca no amigo trans dele, VOCÊS JÁ DEVIAM ESTAR LENDO ESTE MANGÁ.

 Hmm, acho que era isso que eu tinha pra falar. Eu realmente curto mangá de qualquer jeito, se ele for bom, mas os que TOCAM A ALMA são mesmo os mais progressistas, tipo Blue Period e qualquer coisa do Shuzo Oshimi ou do Inio Asano.

Leiam uns mangás aí também e vamos discutir as duas coisas que nunca deviam estar juntas: otakisses e política.

valeu, falou, té mais!

Nenhum comentário:

Postar um comentário