sábado, 1 de setembro de 2018

Como é ser um asiático no Brasil

Tá na moda agora esse negócio de representatividade asiática e eu sou asiático, olha só, vai virar post isso ae.

Pois bem galera, agora tá em vogue ter representatividade asiática em filmes, seriados e afins, e parece que pela primeira vez na história Hollywood se lembrou que existem não apenas japoneses na Ásia mas também coreanos, chineses, tailandeses, vietnamitas e afins. Até as novelas brasileiras estão começando a incorporar mais atores e atrizes orientais e escrevendo roteiros decentes para os papeis não caírem nos estereótipos de "japa" que o imaginário popular brasileiro tem.

Na moral, acho isso muito bom, enquanto crescia eu realmente procurava alguém que se parecesse comigo (num sentido mais amplo obviamente) pra me espelhar e ter como objetivo, óbvio que temos no país vários exemplos de nipodescendentes extremamente bem sucedidos, mas digamos que pra um moleque de 10 anos é mais fácil gostar de um jogador de futebol ou ator do que de um empresário.

E foi no alto dos meus 10 pros 12 anos que eu desisti de procurar por exemplos a seguir na mídia brasileira e fui pros animes, mangás e J-Pop, apesar de que a maior representatividade asiática no Brasil esteja no nosso cenário musical (eu ainda amo a Fernanda Takai... e num grau menor a Fovefoxxx também).

Mas o negócio é: eu não sou japonês, eu sou brasileiro. Gosto de feijoada, futebol, cerveja com mais milho que malte e faculdade pública de graça. Por mais que eu idolatre e tenha como exemplo, sei lá, o Shunsuke Nakamura ou o Ken Watanabe, eles nasceram e cresceram no Japão, eles possuem em comum comigo a cara e talvez a preferência por usar hashi ao invés de garfo nas refeições.

O foda é que todo mundo que olhar pra minha cara vai me chamar de japonês (quando não chinês ou coreano), lembro quando fui com minha família pro interior de Minas Gerais, praticamente TODO MUNDO ficava olhando pra gente como se fôssemos alienígenas, fora dos lugares com concentração de asiáticos aqui no Brasil eu sou um eterno gringo. E você pode ter certeza que quando eu for pro Japão os caras não vão me chamar de ONE OF US, eu mal falo a língua dos caras, vou ser um gringo lá também.

E tá aí o eterno dilema do nipodescendente: não é brasileiro no Brasil mas também não é japonês no Japão, come feijão com gohan e assa o onigiri junto com a picanha na churrasqueira.

Pode parecer drama exagerado pra vocês, e dou total razão pra quem pensou isso, afinal, quando volto de madrugada pra casa e passa uma viatura da polícia por mim, só falta o maluco fazer joinha depois dele constatar que sou asiático, mas é uma coisa que sempre me incomodou, existir esse estereótipo de asiático super cobrado pelos pais, que anda olhando pra baixo e ouve Hatsune Miku, desde que eu soube do tal estereótipo, sempre fiz o máximo pra ser exatamente o contrário disso e olha onde acabei chegando, no lugar que é o maior antro de estereótipos de asiáticos do Brasil: a Escola Politécnica da USP.

E foi quando entrei na Poli que me dei conta de como tem asiático nessa parte do Brasil, é incrível, e foi a primeira vez também que tive professores asiáticos fora do Karate. Acho que isso fez com que, ao mesmo tempo que me sentisse mais "normal" na multidão, também me fez ver que tem muita gente também que foge do estereótipo, seja conscientemente ou não. Tem muito asiático na Poli que faz parte dos times de Baseball/Softball/Tênis de Mesa, fez parte de um grupo de escoteiros, dançava Break no CCSP e já foi em balada japa e tudo mais, e tem muito asiático também que é recluso, tem pais exigentes, é 100% full otaku (esses geralmente fazem elétrica) mas também tem uns que não se encaixam em nenhum estereótipo, que gostam de samba, jogam futebol, leem literatura russa e gostam de indie da costa oeste americana, demorei pra perceber que cada um é cada um, por mais que a pessoa se encaixe nos estereótipos, ela é única de seu modo.

Eu sempre abominei a ideia de só andar com "japa", sempre vi esse tipo de gente como um pessoal de mente fechada que só se entrosava com pessoal da própria laia, mas depois de entrar na Poli eu comecei a entender mais esse tipo de gente, apesar de não ter me tornado um deles.

Por mais que todo mundo seja diferente, as famílias asiáticas no Brasil têm muito em comum, a maior distância que a geração atual tem dos antepassados que vieram pra cá é de umas duas ou três gerações, vários costumes da terra natal ainda são comuns em terras tupiniquins pra essas famílias, por mais que você seja japonês, chinês ou coreano, o arroz consumido é grudadinho da mesma forma. Além disso todo asiático aqui passou por coisas similares, seja os coleguinhas de classe imitando puxando os olhos como a negada falando que teu pau é pequeno, não tem um puto com olho puxado neste país que não passou por isso, isso tudo acaba unindo a gente.

Quando vejo um bixo asiático entrando na Naval eu já sei pelo o que ele deve ter passado, eu sei que ao mesmo tempo que a polícia nunca deve ter parado ele na rua, os assaltantes viam nele um pato fácil pra roubar a carteira, eu sei que se ele for de família japonesa, a avó deve gostar da Hibari Misora e a família toda deve se reunir no fim de ano pra assistir o Kohaku e sei também que por mais que a família dele seja moderna, há uma cobrança maior que o normal pro padrão ocidental nos ombros dele. Eu sei que isso é normal, você sabe pelo que um maluco da tua etnia passou, mas só fui perceber isso depois, e foi aí que entendi os asiáticos que andam com asiáticos, você pode não conhecer o maluco mas já sabe pelo menos por algumas coisas que ele passou.

Em suma ser asiático no Brasil é ser um eterno gringo onde quer que você vá, ser estereotipado até o cu e não ter heróis a quem se espelhar que tenham a mesma cara que você, obviamente a nossa situação não chega aos pés do racismo incrustado contra os negros neste país, mas há lutas e lutas, eu acho particularmente que o recente destaque que o feminismo asiático vem recebendo é bem legal, tudo o que eu sofro com estereótipo é multiplicado por 100 se você for uma mulher e sinceramente, a cultura machista dos países da Ásia não ajuda muito a situação.

Por mais que eu achasse esse negócio de representatividade uma besteira até um tempo atrás, os filmes e seriados ainda fazem grande parte do imaginário brasileiro, ter mais atores asiáticos na novela das 9 pode mudar a visão que o brasileiro médio tem sobre toda uma etnia, por mais que você fale que ninguém mais vê novela. Enquanto eu crescia uma das únicas representantes da minha etnia na TV era a Sabrina Sato, agora as coisas melhoraram mas os outros asiáticos ainda são praticamente invisíveis pras novelas e afins do país.

Enfim enfim enfim, eu sempre quis escrever sobre isso no blog mas nunca achei um momento certo, e também achava que comparado com o racismo contra os negros, qualquer coisa contra asiático parece piada, mas acho que lutas podem ser paralelas, se lutarmos por uma mudança de cada vez nunca haverá fim.

Obrigado por terem lido essa coisa toda, me desculpem se tiver algum erro aí mas estou com uma puta preguiça de fazer proofreading e to com umas provas no horizonte, prontas pra me foder.
vlwflw té mais

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Olá, seu japonês asiático, embora você possa se sentir ofendido pro que vou dizer, eu estou cagando e andando. Eu só te amo (apesar da evidente E INACEITÁVEL distância entre nós nos últimos anos) porque você é o que você é. Muito além desses olhos fechados e traços asiáticos, muito além do seu paladar esquisito por peixes crus (pode falar o quanto quiser que gosta de feijoada, essa eu não compro)... Você podia ser coreano (tá, exagerei), sei lá, você podia ser qualquer outra coisa que nada que aparece te definiria, você é bem mais complexo do que um simples rostinho bonito de olhos puxados. Seu japonês viado.

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