sexta-feira, 8 de novembro de 2019

La Cucaracha

Hoje eu matei uma barata.

Você já matou uma barata, seja com uma vassoura ou um spray de veneno, o processo é simples: você vai lá, mata a barata e desova o corpo numa privada ou num cesto de lixo, pronto, trabalho cumprido.

Eu sou da época em que as donas de casa, minha mãe inclusa, espalhavam tampas de garrafa com purê de batata envenenado (uma versão primitiva das armadilhas de barata que podem ser compradas nos supermercados hoje) numa tentativa de livrar o ambiente doméstico das ditas cujas, mas sem sujar as mãos diretamente.

Mas é, hoje eu matei uma barata.

Acho que por estar na vibe ambientalista na época, uns anos atrás eu comprei um veneno aerossol com citronela, numa tentativa de matar os insetos mas usando ingredientes da natureza e deixando um aroma que não fosse de morte pela casa. Mas o negócio é que o dito veneno nunca foi muito eficaz para insetos que tivessem mais que um dígito no campo do comprimento (em milímetros), mas como minha casa nunca foi de aparecer muitos insetos grandes, o spray era o suficiente para os mosquitos usuais.

Apareceu uma barata em casa, e depois do pânico momentâneo de uma pessoa claramente não acostumada com baratas em casa, eu corri pra pegar o veneno e apertei o spray por um bom tempo.

Eu já tive mais medo de baratas e já tive menos medo de baratas, tive mais nojo de baratas e já tive menos nojo de baratas, mas eu nunca consegui explicar o porquê da minha relação com elas, eu matei inúmeras baratas ao longo da minha vida, seja com chinelo, jornal, veneno e até emergindo as coitadas em álcool etílico pra um projeto de biologia do ensino médio (onde perdi maioria do medo por insetos que tinha).

Mas hoje matei uma barata e vi ela se contorcendo por minutos, que pareciam horas.

E eu mandava mais veneno na cara dela e ela não morria, mais veneno e mais veneno, e as convulsões não paravam. Até que algum tempo depois, com minhas pernas doendo por estar agachado com a lanterna do celular ligada apontada pra baixo do balcão da cozinha, a barata finalmente parou de se mexer.

Peguei o corpo dela com vassoura e pá e joguei no lixo.

Pode parecer um momento meio "Paixão segundo G.H." (apesar de eu não ter comido a barata, e muito menos ser uma mulher bem sucedida na vida) mas aquele ser vivo se contorcendo lutando pela vida me fez pensar um pouco. Eu olhava pra aquela cena com um misto de nojo e angústia, queria tirar a barata da miséria mas não queria carregar a culpa da morte ela.

Por um segundo eu me pus no lugar da barata e amaldiçoei as próximas dez gerações daquele gigante que tinha a asfixiado com spray cheirando a citronela, quando ela só procurava comida para sobreviver por mais um dia.

Isso me lembrou o dia em que dissecamos baratas no laboratório de biologia, alguns grupos tiveram o azar de pegar uma barata que não tinha sido "completamente morta" e ela se contorcia enquanto era passada a lâmina do bisturi abrindo seu abdome, não lembro se isso aconteceu comigo mas os laboratórios de biologia em geral foram dias pra se esquecer.

Isso tudo quer dizer que vou virar vegan budista e nunca mais vou tirar a vida de outro ser vivo? Com certeza não, mas o choque de perceber que uma barata é um ser vivo me tocou hoje, acho que aquele papo de ser sensível que falei outro dia está começando a me mudar mesmo.

Ah, estou cansado.
vlw flw até a próxima

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